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19 de fevereiro de 2010

respira e lê

CARAMBA
Acabo de ler um texto no site do Danilo Gentili (http://danilogentili.zip.net/) escrito pelo próprio. Uma escrita inteligente como se espera de um bom humorista e também pertinente à questão de como as pessoas aqui no Brasil se melindram por pouca coisa. Copio aqui o texto na íntegra e para ser mais fiel possível eu nem irei corrigir os pequenos erros de digitação e ortográficos que ele comete. RS
Espero que curtam.


19/02/2010

AÍ É QUE ESTÁ A GRAÇA!

O texto ficará mais extenso que o normal, mas não tem como ser diferente. Preciso contextualizar para que entendam onde quero chegar. Prometo ser o último post comprido que escrevo:

Jay Leno tinha um programa as onze da noite e foi para o horario nobre, as oito. Ele registrou ao vivo o momento que passou seu programa, o Tonight Show, para outro comediante, o Connan O´brien, que até então tinha um programa após Jay Leno chamado Late Night. Jay Leno então foi para as oito da noite com o Jay Leno Show, O´brien ficou as dez com o Tonight Show e no Late Show entrou Jimmy Fallon. Três comediantes seguidos na grade da NBC. Aconteceu uma trapalhada enorme quando Jay Leno não deu certo as oito e pediu de volta seu antigo programa. Isso colocaria na rua Conan O´brien ou Jimmy Fallon. Você entende melhor o caso se ler isso aqui, mas o importante é entender que houve uma crise envolvendo muitos comediantes no showbusiness americano e Jay Leno e Jeff Zucker, presidente da NBC, eram os "vilões" do momento.

O que me maravilhou nessa discussão é que todos comediantes em atividade na TV naquela faixa de horário entraram na briga durante semanas. George Lopez da TBS, fez piadas com O´brien insinuando que no futuro ele pediria esmola na rua. O´brien por sua vez fez piadas da sua própria situação e um dia começou seu show dizendo: "O presidente da NBC me proibiu de falar sobre o assunto. Mas ele não me proibiu de cantar". Então ele cantou ofensas dirigidas a emissora e a Zucker.

No auge da tal crise, Jimmy Kimmel, da ABC, concorrente direto de Jay Leno, entrou ao vivo na NBC, na emissora e no programa do rival, e fez piadas que constrageu seu anfitrião Leno. A platéia? Cagou de rir.

Só pra terminar, David Letterman, do Late Show da CBS, principal concorrente de Jay Leno, aproveitou a ocasião, relembrou o passado, quando Leno puxou seu tapete. Duarante semanas e semanas Jay Leno teve que aguentar as piadas de Letterman, que fazia uma vozinha de gay quando o imitava, além de literalmente o ouvir a todo momento chamar o presidente da NBC de "retardado". No final da crise sabe o que aconteceu? Jay Leno, o alvo das piadas podres de Letterman, apareceu como garoto propaganda do programa de seu principal rival, onde mais uma vez teve que aguentar Letterman fazendo aquela vozinha!



Você conhece algum comediante no Brasil que entenda de comédia o suficiente para aceitar esse tipo de coisa de seus concorrentes? Conhece alguma emissora aqui que não seja provinciana a ponto de permitir que seus comediantes façam piadas abertamente sobre o que quiserem? Conhece uma grande parcela de público que entenda que o papel do comediante é falar sim o que ele quer, onde ele quer da forma que quer?

Antes de chegar onde quero só mais um pouco de paciência e me acompanhe. Preciso lembrar algumas outras coisas que já vi.

Lembro quando o Saturday Night Live execrou a republicana, na ocasião vice de McCain na corrida à presidencia, Sarah Palin. Tina Fey estava caracterizada como Pallin. Me surpreendi quando cortaram pro bastidor. Adivinha quem estava no estúdio assistindo tudo? Sarah Palin em pessoa! Quando você acha que a piada acaba, entra Alec Baldwin e começa a falar mais um monte de barbaridades na cara da governadora. No meio do programa a republicana, e não sua imitadora, entra e participa de um quadro.

Você conhece algum político no Brasil que tem o cérebro desenvolvido bastante para entender que ele se torna mais popular quando participa de uma piada e não quando a censura? Conhece alguem aqui que em plena época decisiva de eleição se colocaria a disposição para ser empalado por comediantes em praça publica porque entende perfeitamente que o humor pode ser usado a seu favor?

Essa é recente. Globo de Ouro 2010. Rick Gervais, comediante inglês, subiu ao palco com um copo de bebida alcoólica. Ele disse, em transmissão para o mundo todo, algo como: "Esse copo de bebida não é meu. Só trouxe ele aqui porque quero que entre Mel Gibson". Todos riram com a chacota (pesada) sobre os escândalos de alcoólismo do astro de Hollywood. Sabe o que Gibson fez? Subiu ao palco e fingiu que estava bêbado.



Tem ainda o caso pensando e roteirizado, nos extras do DVD de Trovão Tropical. Robert Downey Junior participa de uma sabatina de piadas pesadas sobre seu problema com drogas e escândalos com a polícia. No recente Zumbilândia Bill Murray satiriza seus travbalhos e ridiculariza algumas escolhas na carreira.

Você consegue imaginar alguma celebridade brasileira inteligente o bastante para embarcar numa piada que faz uma alusão óbvia e até agressiva sobre sua fraqueza, seus escândalos, sua má fama ou até mesmo sobre o seu peso ou escolhas erradas? Conhece alguém por aqui com bom senso o suficiente para não se ofender ou levar a sério quando um comediante pisa no seu mais dolorido calo?

Pra encerrar preciso lembrar de 2006, quando o comediante Stephen Colbert arregaçou, face a face, com transmissão ao vivo para todo o País, em uma cerimônia oficial, o homem mais poderoso do mundo na ocasião, o presidente dos Estados Unidos, George Bush.



Você consegue imaginar o Lula ou o próximo presidente da República, admitindo ouvir de um comediante muitas piadas (leia-se também verdades) sobre sua postura, suas mazelas, suas falhas, seu governo, sua popularidade? Acha que algum presidente teria assessores inteligentes o bastante para o aconselhar a fazer isso?

Ok. Agora acho que posso chegar onde quero.

A comédia americana fornece as maiores referêcias, os melhores profissionais, os mais hábeis escritores e as os momentos mais célebres porque o comediante é ousado, o seu alvo de piada é inteligente, seu público não é burro e o ambiente onde ela é desenvolvida respira liberdade.

Quando uma personalidade lá passa por escândalos, eles vão com as próprias pernas pagar seus pecados no programa de algum humorista. Eles fazem isso por 3 motivos:

1) Eles adoram quando um escandalo vira piada. É sinal que ele não precisa mais ser levado a sério.

2) Eles são seguros o suficiente para rir de si. Eles não são celebridadezinhas de novelinhas subdsenvolvidas. Não são coronelzinhos que foram eleitos a base de esmola em troca de voto. São astros internacionais. São políticos, podres como qualquer politico, mas realmente poderosos. O que construiram não é fragil como o que se constroe por aqui. A tortada de um humorista não os derrubam do pedestal onde estão.

3) Eles se tornam mais populares ainda porque dão ao público o que o público quer. E o que todo mundo quer é rir de uma boa piada. E uma boa piada pra eles sempre fala de uma grande verdade.

Nos meios de comunicação do Brasil reina a cultura padrão do estado, a cultura do Coronelismo. A emissora é um grande poder com mentalidade provinciana, ela é o coronel da classe artística. Não fale mal da Globo ou da Record, por mais podre que seja sua história, senão você nunca vai encher o rabo de dinheiro lá. Não posso também fazer piada com o casting da emissora que trabalho, senão eles me mandam embora. Fale mal das celebridades de novela, e os outros artistinhas vão te boicotar. Não fale certas piadas, senão certos jornalistas vão lançar a manchete que você blasfemou "uma ofensa". Esse tipo de polêmica forçada vende bem para aquela parcela da massa que é burra o suficiente para não entender o termo P-I-A-D-A.

O linha do limite do humor no Brasil é muito apertada. E patética. A esperança dessa linha ser alargada está na ousadia dessa nova geração de humoristas. Mas não sei se vai rolar. Eu abro revistas e vejo amigos comediantes confortaveis dentro desse limite. Eles não estão fazendo piadas com o mundo das celebridades. Ao contrário. Vejo muito deles se divertindo nesse mundo, pedindo um alvará pra ser aceito e reconhecido como celebridade também. Sabe o aluno bagunceiro da sala que senta na última cadeira? Todos sabem que a qualquer momento pode ser alvo desse cara. Alguns acham graça e outros pensam "que droga que ele está na minha classe. Mas não tem jeito! Eu tenho que aguentar!". Esse é o lugar do comediante na classe artistica. A última carteira da classe. Mas o que vejo são colegas de humor disputando a primeira fileira!

Não rola comédia de opnião por aqui. Isso pode desagrar as pessoas! Então somos genéricos. Só falamos mal em público de político em geral ou do que já foi preso. Dificilmente de um estabelecido. Isso pode gerar críticas da oposição. Já vi comediante fazendo piada no twitter e jornalista atrás de click vendendo aquilo como "ofensa grave". Mas isso não é tão ruim. O ruim é ver o comediante por causa disso pedindo desculpas em público por ter falado o que esperam que ele fale: P-I-A-D-A. Já li entrevista de um comediante muito talentoso dizendo: "na escola eu era amigo dos nerds e dos bagunceiros". Ele não quer se comprometer nem com o seu passado, afinal ele é um bom rapaz! Agrada todo mundo. O problema é que comediante não é o bom rapaz! Pense num comediante realmente grande, que foi reconhecido mundialmente pelo seu trabalho.

Pensou?

Então. Ele não era o bom rapaz. Ele era o moleque sem educação que falava o que ninguém queria ouvir. Ele não é o seu herói. Ele é o seu anti-heroi.Se o senso de justiça do homem comum é agradar a todos, o do comediante é desagradar a todos igualmente. O comediante não é uma adorável companhia. Ele é um adorável Filho da puta! Isso é ser comediante de verdade!

Mas aqui no Brasil não se admira comediante de verdade. Porque a verdade não é admirável. Nossa cultura nos ensina a lucrar com a mentira. Rir com a verdade é algo que não entra na cabeça de ninguém por aqui. A verdade é feita para ser maquiada por aqui. A verdade não diverte ninguém. Assusta. Fiquemos então com o imitador de Silvio Santos, o burro que fala palavras erradas, e o atrapalhado que dá cambolhotas circenses. Eles não incomodam ninguém

E o comediante que ousar brincar com a verdade vai cair no esquecimento, de boicote em boicote. E pensando bem é possível que eu esteja indo, em poucos anos, exatamente para lá, para o esquecimento. Mas eu te juro que eu vou contando piada.

Eu realmente gostaria que no Brasil os alvos de piadas não se considerassem tão frágeis, o público não fosse tão limitado e os comediantes não fossem tão covardes.

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