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3 de março de 2010

Relíquia de Raul Seixas em pacote de reedições

Projeto lançado em 1971 é destaque de uma série de títulos tidos como raros

Lauro Lisboa Garcia


Das aventuras musicais de Raul Seixas (1945-1989) antes de virar esse cultuado ídolo do rock, o LP coletivo Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10 (1971), ao lado de Sérgio Sampaio, Miriam Batucada e Edy (que depois acrescentou o Star ao nome) é a mais divertida. Espécie de Tropicália underground, um Rock and Roll Circus brasuca, nessa reunião de "malditos" o maluco beleza já soltava ali como manifesto diversos elementos que definiriam seu universo sonoro - como a fusão de rock e baião, o uso de sonoplastia, a predisposição para o brega e a diversidade sem preconceito - e lírico (o bom humor, a ironia, o gosto pela ufologia, a crítica comportamental), embora nem todas as ideias tenham partido dele.



Além de Sessão das 10, vale destaque na série Caçadores de Música, da Sony Music, o primeiro dos três trabalhos-solo de Mussum, o bom álbum homônimo de 1980 (leia abaixo). Ao todo são 51 títulos, alguns dos quais estavam fora de catálogo, outros inéditos em CD e uma maioria que ou não justifica a qualificação de "clássico" sugerido pela campanha, ou já estavam no mercado.

Sessão das 10 já tinha saído em CD pelo selo independente da Rock Company, em 1995, e pela própria Sony em 2000, numa edição desleixada. A nova versão é mais caprichada, com som remasterizado e encarte com todas as letras.

Na época do registro dessa extravagância, Raul era executivo da gravadora. Gravou o disco com os amigos nas madrugadas, às escondidas, para evitar uma possível demissão pela ousadia. Além de Tropicália, ele teria se inspirado em Freak Out (1966), de Frank Zappa, e Sgt. Pepper"s Lonely Hearts Club Band (1967), dos Beatles. Isso qualquer raulzófilo sabe, mas vale dar o toque para os não iniciados. Resultado: nem os homens da gravadora nem a mídia deram bola para o disco. Mas como tudo o que vem de Raul vira objeto de culto, com este não foi diferente. Nos sebos hoje o LP, difícil de encontrar, vale em torno de R$ 400.

No ano passado, Edy Star, o único vivo dos quatro, fez um show memorável com a íntegra do disco no palco dedicado a Raul na Virada Cultural. O maior frisson foi quando cantou a faixa-título, segunda do álbum, um samba-choro seresteiro, que depois Raul regravaria mais debochadamente em Gita (1973), em forma de bolero. Ídolo cult do glam rock brasileiro, Edy também solta as plumas em Eu não Quero Dizer Nada, de Sampaio. Este, por sua vez, também já soltava as farpas, entre soturno, visionário e satírico, em letras e interpretações incisivas.

As intenções ficam bem claras desde o codinome esdrúxulo da trupe (que mais parece o de uma seita obscura), a abertura com um bordão circense, até o desfecho com o som de uma descarga de vaso sanitário - recurso repetido infinitas vezes em investidas posteriores de outros grupos de pop-rock. O disco é uma grande farra, em que predominam composições de Sampaio e Raul, que canta em 7 das 12 faixas (3 em duo com o parceiro) e tocou praticamente todos os instrumentos. Musa do samba-de-breque, Miriam deixa a marca de sua malícia e seu suingue em Chorinho Inconsequente (Sampaio/Erivaldo Santana) e em Soul Tabaroa, de Antonio Carlos e Jocafi.

Entre os títulos inéditos em CD nessa coleção, além de Mussum vale destacar outros três. O primeiro é Quem me Levará Sou Eu (1980), décimo e ótimo LP de Dominguinhos, que marcou sua estreia na RCA, com participações de Gilberto Gil (Abri a Porta) e Luiz Gonzaga (Quando Chega o Verão), que fizeram grande sucesso na época.

Os outros são Elba (1981), o terceiro de Elba Ramalho, que inclui O Pedido (Elomar), e Porta Secreta (1980), terceiro de Amelinha, puxado por Gemedeira (Robertinho de Recife/Capinam). Três reais preciosidades relançadas são O Romance do Pavão Mysteriozo (1974), estreia-solo de Ednardo, Tendinha (1978), de Martinho da Vila, e Galos de Briga (1976), terceiro de João Bosco.

Este, como Caça à Raposa (1975), que continua há tempos fora de catálogo, é bem superior ao álbum de estreia de Bosco, que a Sony relançou em edição dupla de vinil e CD em 2009. A propósito, quando é que alguém vai se tocar que o sensacional Tiros de Misericórdia (1977) nunca saiu em CD? Já que o slogan da campanha publicitária da Sony é "chega de procurar discos raros em sebos", seria coerente tomar reais providências.

Da MPB antiga, voltam bons títulos de Isaura Garcia, Ary Barroso e João de Barro, coletâneas de Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga, Francisco Alves e dos chorões Pixinguinha, Benedito Lacerda e Jacob do Bandolim. Há também álbuns internacionais, como o bom O Som Brasileiro de Sarah Vaughn, e outros sem maior relevância de Cesaria Evora (o mediano álbum de remixes Club Sodade), Etta James (da fase menos brilhante), Toots Thielemans (The Brasil Project) e até uma coletânea do jovem Frank Sinatra.

A título de curiosidade, há Antonio Carlos & Jocafi Cantam Jorge Amado (1996), uma boa compilação de João Penca e Seus Miquinhos Amestrados, três títulos de Gal Costa (Lua de Mel Como o Diabo Gosta, Vaca Profana e Bem Bom) e Simone (Amar, Corpo e Alma e Cristal), da fase mais pasteurizada de ambas, embora estivessem cantando muito, assim como a Fafá de Belém de Fafá e Doces Palavras, o Ney Matogrosso de Ao Vivo e o Tim Maia do álbum homônimo. Ficou tudo datado, mas maior equívoco é Cedo ou Tarde, de Cassiano, que piorou alguns de seus sucessos com convidados, e outras tranqueiras do rock gaúcho, que, só pra exercitar o poder do boicote, é melhor não mencionar.

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