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18 de janeiro de 2010

esboço

O dia em que amputaram minhas pernas foi o mais feliz da minha vida. A minha volta todos choravam e tentavam me convencer de que tudo ficaria bem, por mais que eles próprios não acreditassem nessa afirmação. Meus pais diziam no olhar o ódio que nascia porque, para eles, Deus tornara-se deus. Como isso poderia ter acontecido com um homem tão bom? Um trabalhador, honesto e chefe de família recém criada?
Ela segurava nossa filha no colo. O bebê com pouco mais de um ano sorria e saltitava em direção ao corpo sem pernas deitado na cama. Era, em sua pureza, a única que partilhava comigo a felicidade do momento que vivia. Pela primeira vez eu sentia o que era amor. Chorei, meus olhos não suportavam mais. Minha mãe ao perceber veio à cabeceira do leito e com cuidado, para não sentar-se na fina mangueira do soro, alisava meus cabelos.
“Calma meu filho. Nós estamos com você! Todos ajudaremos”
Ela não sabia, ou sabia e não havia dado importância, mas ninguém estava realmente comigo. Daqui a pouco todos voltariam para as suas casas, seus ritmos. Todos caminhariam para o seu fim, menos eu, eu rodaria até lá. Será que no céu tem rampa de acesso para cadeirantes? Com certeza no inferno não. Porque haveria? Pensando melhor, claro que há. Não faria sentido. O que faria?
Meu pai, sempre firme, não desmoronaria. Não diria nada. Em seu não saber o que fazer deu-me tapinhas no cotó da perna direita. Recolheu a mão como se tivesse cometido um pecado mortal. Pela primeira vez em meus mais de trinta anos eu recebia um toque carinhoso do meu pai.

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