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24 de junho de 2009


“Miiiiiiiii miiiiiiii miiiiiiiiiiii”
O som vinha do interior da gaiola, o hamster de Letícia não parava quieto um só instante, sempre se movimentando ou guinchando pelo seu pequeno reino. Pelas grades finas e azuis ele as encarava, dormiam como anjos cansados. De alguma forma ele sabia que as companheiras de quarto de sua dona apostavam nos sonhos que tinham. Haviam deixado o pouco de conforto que tinham em suas cidades e haviam se mudado para cá. Queriam mais, muito mais do que os outros alunos do curso que haviam deixado para trás. Era difícil mesmo para as duas se convencerem de que poderiam, mas tentaram.
Enquanto o pequeno roedor abria mais um buraco no rolinho de papel higiênico que havia no chão de sua gaiola, misturada a um pouco de serragem, teve um pensamento que o manteve de boca aberta, os dentes salientes quase encostando no tal rolinho. Como será que elas se sentiam dividindo o quarto com uma estranha e seu animal de estimação? Será que alguma tinha medo dos seres de sua espécie? Por que será também que as duas falavam tão baixinho? Será que ambas eram tímidas ou não queriam atrapalhar o pequenino em seus afazeres diários?
“Pobres meninas – pensou – mal sabem elas que não me atrapalham. Muito pelo contrário, adoro saber que me olham com um brilho bom nos olhos. Pena que quando esses olhares tocavam os livros pareciam ter mais ternura.”
O que sonhavam as forasteiras? De certo nada. Acordavam muito cedo e iam para a biblioteca do campus para se entregarem de alma ao projeto de vida. Quem sentia a falta delas em suas cidades: amigos, famílias, namorados? Haveria algum escritor insone digitando algo para acarinhar as distantes amigas? Dirigiu-se para a rodinha de exercícios e começou a caminhar rápido, não tinha certeza de como, mas de alguma forma isso o acalmava.
As meninas dormiam um sono pesado e ele podia reparar em seus corpos que se mexiam conforme respiravam. Pareciam executar um doce balé que tinha por melodia a respiração exalada. Não se mexiam muito e haviam deixado no chão próximo as suas camas livros abertos e lápis sobre eles. Pensou que seria mais feliz se fosse um livro, gostaria de acompanhá-las para fora do quarto. Queria sentir o doce aroma de seus corpos e o balanço de seus passos. Como seria o toque de suas mãos, delicadas e firmes ao mesmo tempo. Eram mãos morenas, a garota menor, e brancas, as da maior. Eram diferentes fisicamente mas tinham algo que era incrível encontrar, eram amigas leais. Ele mesmo não tinha mais ninguém a não ser Letícia que insistia em conversar com ele com uma voz meio débil, como se ele fosse um bebê da mesma ninhada que ela nascera. Como eram diferentes as meninas que moravam com sua dona. Será que elas não se aproximavam dele porque seu pelo estava sem brilho? Correu para o centro da gaiola arrastando um pouco de serragem e restinhos de papelão roído. Passou a lamber as patas e depois a acariciar o próprio corpo. Se o problema era banho ele resolveria isso agora.
Lá fora a madrugada ficava mais clara e ele sabia que dentro em breve elas iriam acordar. Tentou ficar quieto mas era impossível. Que ser vivo conseguiria dormir com tantas perguntas dentro do peito? Um barulho despertou-as, sentam-se nas camas e levantam-se. Sabem que não podem perder tempo. Vão em direção ao banheiro e à pequena cozinha que possuem. Enquanto uma se banha a outra prepara algo para comerem. Passam pela gaiola e não ligam a mínima para o pequenino que as vigia durante a noite. Partem cheias de urgências e planos. A dona levanta e o trata como um bebê. Troca a água, põe um pouco de ração e parte para o banho. As meninas caminham para a biblioteca e ele, enquanto volta para a rodinha de exercícios sente um aperto no peito. Enquanto caminha no mesmo lugar o hamster chora.
“Miiiiiiiii miiiiiiii miiiiiiiiiiii”





Para Amable Riberio e Naiara Moreno


Um comentário:

  1. Naiara12:47 AM

    "Haveria algum escritor insone digitando algo para acarinhar as distantes amigas?"

    Haveria sim.. um cara fantástico, surpreendente, encantador, e bruxo... muito bruxo... como soube do hamster?! Acredita que temos mesmo um lá em Assis?!.
    Li e reli seu conto. To pasma =). Adorei. Vou imprimir e mostrar pra Amable na viagem amanhã. Ela nem vai acreditar!
    Se eu soubesse que era tão bom ter um amigo escritor, teria o descoberto antes, ou o inventado.
    Obrigada querido,
    tua história me tocou, nunca mais esquecerei (nem dela nem do autor), esteja certo.

    Saudades...

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