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9 de dezembro de 2008

texto do meu irmão Guilherme

Depois de ir embora da cidade que abrigou a infância, voltar para passear é sempre uma tarefa que vai exigir dedicação e respeito. Saiba desde já que o princípio de viagem à casa dos pais para descansar é só um título que dá a esse passeio. Nessas horas, balanceie tudo o que você pretende fazer na cidade a visitar, o tempo que você tem para ficar lá e a sua programação. Aí, veja o que você tem para fazer na sua casa. Nos primeiros momentos de viajar, a sensação é de que o cansaço compensa porque a saudade precisa ser saciada da presença dos amigos, da família. Mas é tanta gente, não é? Essa força que o leva a sair de sua casa e passar por tudo isso em tão pouco tempo, lamento dizer, vai diminuir. E drasticamente. Prepare-se para isso, porque vai doer. E dói. E sempre dói. E sempre vai doer, até que você entende a dor, e procura amenizá-la. Mas a saudade vai sempre estar por lá. Ela vai sair do corpo de seus amigos e vai passar a morar no tempo que já se passou. E esse tempo que se passou não volta nunca, mesmo que se reunam todos nos lugares de sempre, porque o mundo de cada um já é mais o mesmo. E cada mundo tem um mapa do tesouro. E cada mapa tem um X em um lugar diferente. Conte com a sorte, porque o seu X pode ser muito próximo do X de outros amigos. Mas também pode ser ironicamente do outro lado do mundo. Isso porque por mais que você se programe, nem você e nem ninguém poderá dizer no que nós vamos dar. Consulte os oráculos e faça por onde. Assim, você vai trazer mais possibilidades, mas a certeza , aquela com c maiúsculo, só sabe falar da Morte. E a morte chega. Não só a física. Mas isso é assunto para outros escritos...
Porque agora o tempo é curto e você precisa arrumar uma maneira de dar conta do recado de visitar todos os amigos. Mas com o tempo, você vai perceber que a força de ir encontrar os amigos nem sempre vai compensar. Aí entra a seleção natural dos amigos que vão continuar nessa nova etapa. O amor aos velhos amigos vai se manter, mas o contato só será feito com os que mostrarem interesse por você. A amizade se torna muito claramente uma via de mão dupla. E tudo o que você está lendo, se já passou por isso, pode atestar. Se nunca vivenciou essa louca passagem, então você ainda tem tempo de aproveitar melhor isso que passa tão rápido. O tempo é a força implacável que te arrasta em direção ao fim. E o fim não dá brecha para segunda parte. A vida não é um filme. A vida é vida, e viver é viver, não é assistir a vida. O tempo da vida é um e o da arte é outro. Mas não deixo de afirmar que viver é uma arte, porque conseguir transformar tantas relações em situações de prazer que façam com que tudo valha a pena é um esforço, um dom, uma dádiva! Viver é para quem está vivo. Ser feliz é para quem tem o dom. Assim como tem aqueles cujo dom é ter a força necessária e a perspicácia no canto do olhar, como a visão do falcão que caça de tão alto e localiza seus camundongos. Mas comer esses camundongos é o dom do falcão. O dom do ser humano não é comer camundongos. Mas descobrir o dom pode não constituir uma tarefa das mais agradáveis. Tem gente, por exemplo, que tem um grande dom para sofrer. E sofrem tão bem que chegam a compadecer o mundo com tamanho sofrimento. Para isso é necessário dom. Também é necessário o dom para entender que a força do tempo. Todos estão sujeitos a ele, mas muitos poucos conseguem perceber no que isso influencia a vida de um pessoa e de um grupo. O tempo não tem chefe. Ele não dá satisfação. Ele chega acontecendo e quando vai, já tem outro no lugar dele, de maneira que você nunca saiba quando um tempo apssa e quando outro chega. O tempo é contínuo, mas pode ser quebrado. O tempo se comunica com os outros tempos. E o produto dessa conversa chama-se saudade. E a saudade é um combustível que não movimenta mais seus desejos. A saudade alimenta a dor, para aliviá-la, porque saudade nos faz sorrir às mais doces lembranças, mas em seguida vem o nó na garganta, só para fazer você lembrar que tudo já passou. É o nó na garganta aquele que acalenta você no colo, dizendo – calma, já está tudo bem. Vai passar, vai passar. O nó na garganta é enviado do tempo.
E com o tempo, os amigos que falam para você passar em casa quando vier para cá, e os amigos que dizem “então, você veio e nem ligou para mim?” - esses são os primeiros. Depois, os próximos a cair são os que vão diminuindo a intensidade na hora de contar as novidades. Essa força é alimenta pela saudade que se abriga no corpo. A saudade que se abriga no tempo não vai dar forças para você entrar em tantos detlhes sobre sua nova vida. Também por quê, divir suas experiências vai se tornar uma coisa cada vez mais difícil, posto que os que podem entender suas emoções são os que vivenciaram coisa semelhantes, e esses não estão mais lá. É torcer para encontrar com eles em datas festivas, como natal, páscoa e feriados bancários de quinta-feira que fazem a emenda da sexta até na próxima segunda. Viva o calendário que não segue as colheitas e que permite a folga. Sair dele poderia ser loucura. Mas estar nele também não é garantido. E como a vida é feita de escolhas difíceis, você vai acabar tendo que escolher entre você e os outros, e depois , dentro de você, vai ter que selecionar dentre suas opções de ser aquela que vai de fato representar você perante todos que conheceram seu outro eu. Um Eu que o tempo levou. Um Eu que está enterrado dentro de você e que se alimenta da saudade que vem do tempo. A carne não vai dar conta da presença necessária para saciar a saudade. Isso se chama crescer. E crescer sempre dói. Desde os dentes até a índole. Largar de manha é difícil. A manha é um vício e dos mais prazerosos. Mas a mamãe não vai estar sempre lá para ouvir seus choramingos. O tempo vai querer levar sua mãe de você, assim como levou você de você mesmo e seus amigos mais íntimos. O Tempo vai consumir tudo e o que sobrar não vai ser capaz de sustentar o passado. Vai tudo para dentro de um baú, guardado como relíquia, por que, de fato, é!, mas essa relíquia não é o ouro de tolo, e sem esse amarelo você não viver. Se é difícil com pouco, imagine sem! Sem ele você não vai nem visitar sua cidade natal. Você aprender tudo isso de uma vez só. Não vai se dar conta do processo. E, como diz a enfermeira, vai ser só uma picadinha. Nem vai doer. Mas a enfermeira não sabe que tem gente que pode ter reações alérgicas.
Quando você conversar com seus amigos e eles disserem: ah, tudo na mesma,você já vai saber o que vem depois. Ou o que não virá mais. Quando eles deixarem de entrar em pormenores da vida deles e você sentir que não faz sentido contar para eles os seus pormenores, então eles não vão passar na peneira do tempo. Aí, você vai mudar tanto seu jeito de pensar que você vai achar que eles não mudaram tanto quanto você. E você sentirá uma pena dos que não saíram da velha cidade casa de infância e não puderam ver o mundo de forma diferente e crescer com isso. Não quero assustar você. Quero só alertá-lo. É que na verdade, depois que eu vi tudo isso acontecer comigo, não consegui aceitar o fato de que eu não posso avisar ninguém. O caminho é solitário e a aprendizagem é natural. O que eu estou fazendo, no fim, vai acabar sendo visto como pessimista. Mas isso é só o otimismo que as pessoas convencionaram que deve existir. A franqueza também existe, mas parece que não há lugar para ela. Ou apenas não há lugar para os que já aprenderem e têm algo a dizer. O mundo parece cada vez mais ser dos que não sabem o que fazer com ele. E você vai junto nessa. As amizades serão guardadas nas suas lembranças, mas você vai sempre se lembrar de que o tempo é curto: ficar com a família é importante e você vai ter que selecionar os amigos que você vai visitar. Essa questão tira muita gente da jogada. E quem sobrar será quem realmente vale a pena, pois são todos bons amigos, mas nem todos são amigos eternos. Lembranças são eternas. As relações eternas não são tantas assim que caiba todos. E aí você vai sentir-se abandonado e abandonando. Essa linha se passa com quem deixa a vida antiga e parte para o "admirável mundo novo". E o mundo novo se dá tanto para quem vai quanto para quem fica. Ninguém é capaz de medir o que o outro aprendeu. A grandeza das experiências não é mensurável. Você vai ver que muitas coisas não se comparam.
Isso que falo sobre o tempo é justamente tudo o que ele me disse, o que ele me mostrou. Claro, um pouco depois de tudo ter já acontecido. O tempo tem leis estranhas ao homem. Leis que não consideram e nem relevam, muito menos abordam as leis que regem as relações sociais. É a ruptura. O tempo rompe e não há costureiros neste mundo que possam consertar ou remendar. A malha da vida é produção única. Remendar é tirar de uma outra malha para colocar nessa. E isso signfica fazer um novo buraco em algum outro lugar. O tempo vai dizer para você que por mais que os olhos não possam ver, o coração vai sentir. E o coração vai sentir tão mais que os olhos, que ele vai doer e você não vai nem saber porquê. E sabe o pior? Não são previsões as minhas palavras. São caminhos traçados que podem não servir para você. Mas o tempo não vai poupar sua existência. O tempo não poupa nada, nem o amor às velhas amizades.

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